Ainda não terá passado suficiente tempo desde o fim do consulado dos Loureiro ao leme do Boavista, para boavisteiros e não boavisteiros terem ainda o distanciamento necessário para analisar este período marcante da história axadrezada sem esse julgamento ser turvado pela atualidade e a história recente do clube.
Mas indiscutivelmente, é no período de tempo em que primeiro o pai Valentim, e depois o filho João estiveram à frente dos destinos boavisteiros, que o clube do Bessa viveu a sua época dourada.
Em 1966, quando o clube caiu nas profundezas da terceira divisão, poucos podiam acreditar que passado uma década, em 1976, o Boavista conquistava a Taça de Portugal e sagrava-se Vice Campeão de Portugal. Nascia o «Boavistão» de José Maria Pedroto... Mas a história dos axadrezados não começou com os sucessos dos anos setenta e já remontava ao princípio do século XX, ainda em Portugal reinava D. Carlos I...
Origens inglesas
O futebol chegou a Portugal por intermédio dos ingleses. A «cidade invicta», muito ligada à Velha Albion por laços económicos e culturais, tinha a maior comunidade britânica no nosso país, não estranhando que fosse um grupo de ingleses, associados a jovens portugueses, que trabalhavam na Casa Graham, que fundaram o The Boavista Footballers.
A ligação entre ingleses e portugueses, acabou por passar por um período de turbulência em 1905, quando as duas comunidades não concordavam com o dia mais apropriado para a realização dos jogos.
Pelas suas convicções religiosas, na sua maioria protestantes, os ingleses queriam jogar ao sábado, já que o domingo era o dia do Senhor e como tal, deveria ser devotado ao recato da família e a Deus. Por sua vez, os portugueses queriam jogar ao domingo, que para a maioria dos trabalhadores era o dia de descanso semanal, perfeito - na sua opinião - para a prática desportiva.
O diferendo durou alguns anos e só terminou com a eventual saída da comunidade inglesa do clube. Aproveitando a debandada dos «Súbditos de Sua Majestade», os portugueses alteraram o nome da agremiação, que a partir dessa data passou a ser conhecida por Boavista Football Club.
Nova casa no Bessa
Seria um dos primeiros clubes portugueses a praticar futebol, e mais tarde, seria também um dos primeiros a enveredar pelo profissionalismo. O Boavista teve num campo na Rua dos Vanzeleres a sua primeira casa, mas mudar-se-ia de armas e bagagens, para um terreno na zona do Bessa, gentilmente cedido pela família Mascarenhas, onde nasceria o Campo do Bessa.
Nos primeiros anos, o Boavista partiu à frente da concorrência na cidade invicta, com mais meios, e apoiado por boas famílias da Boavista e da Foz do Douro, tomou a dianteira do futebol portuense.
São desses primeiros anos os primórdios da rivalidade com o Académico do Porto, o Leixões, o Salgueiros e claro, o FC Porto. E não surpreendeu que tenha sido o primeiro Campeão do Porto em 1914. Os anos seguintes marcariam a ascensão dos rivais azuis e brancos, e o troféu nunca mais voltaria às vitrinas do Bessa.
Lento declínio
Durante os anos 20 e 30, apesar das participações regulares no Campeonato do Porto e no Campeonato Nacional, o Boavista nunca venceu nenhum campeonato. Acabando por só marcar uma presença no Campeonato da I Liga em 1936, onde ficou num sexto lugar entre oito equipas. No ano seguinte conquistaria o Campeonato da II Liga, naquele que foi primeiro título nacional dos boavisteiros, que entretanto já vestiam de axadrezado...
As décadas seguintes marcaram um período de inconstância, com os boavisteiros a subirem e a descerem repetidamente de divisão, acabando por descer às profundesas da terceira divisão, onde se mantiveram entre 1966 e 1968.
O Boavistão
O Campo do Bessa passou a Estádio do Bessa em 1973 e nessa época de 1973/74, chegava ao leme do Bessa o Mestre José Maria Pedroto. Com o «Zé do Boné» ao leme o Boavista conquistaria a primeira Taça de Portugal em 1974/75, feito repetido no ano seguinte, numa época em que os «axadrezados» disputaram o título com o Benfica até ao fim do campeonato, terminado pela primeira vez em segundo lugar na prova. Em 1978/79 chegou a terceira Taça de Portugal e um ano depois, surgia a primeira Supertaça Cândido Oliveira.
Com Valentim Loureiro à frente do clube, o Boavista foi crescendo e aproximando-se paulatinamente dos três grandes, ameaçando o estatuto - até aí incontestável - de quarto grande do Belenenses.
As presenças constantes nas competições europeias, os resultados de renome, os craques que eram vendidos regularmente para Alvalade e Luz, fizeram do Boavista um dos clubes mais respeitados do país.
Lá fora, as vitórias sobre os clubes italianos como a Lázio ou o Inter, tornavam famoso o «clube das camisolas esquisitas». Já dentro de portas, as vitórias sobre Porto, Benfica e Sporting, tornavam-se cada vez mais comuns, e o vizinho seria inclusivamente brindado com um histórico 4x1, a 7 de janeiro de 1989.
Loureiro II e a conquista do Campeonato
Após as conquistas da Taça de Portugal em 1992 e 1997, e as respetivas supertaças, o Boavista voltou a conquistar um segundo lugar na I Liga, disputando o campeonato até ao fim com o FC Porto, numa época em que conseguiu uma histórica vitória por 0x3 no Estádio da Luz.
O ano seguinte marcou a estreia do clube na Champions, onde depois de eliminar o Brondby, acabou por ficar em último lugar num grupo com Rosenborg, Feyenoord e Borussia Dortmund.
Mas o momento histórico estaria guardado para a época seguinte... 2000/01, ano em que a cidade do Porto se tornava Capital Europeia da Cultura, e os dois clubes disputavam novamente o título de campeão.
Num campeonato em que o Benfica terminou num impensável sexto lugar, os «axadrezados» fizeram uma época de sonho, superando um a um, todos os obstáculos no caminho para a glória.
Primeiro derrotaram o FC Porto na viragem do Campeonato, com um golo decisivo de Martelinho, que voltou a ser decisivo na recta final do campeonato, ao marcar um fabuloso chapéu a Peter Schmeichel, que deixava os campeões em título fora da luta.
Até ao fim, com garra e muito crer, os rapazes de Jaime Pacheco ultrapassaram todos os problemas e conquistaram o título na penúltima jornada com uma vitória sobre o Desp. Aves por 3x0.
A festa começou na Avenida dos Aliados, mas terminou na Rotunda da Boavista, ao som do grito de «campeões!». E pela cidade fora, os portistas, cabisbaixos, ouviam os boavisteiros cantar que «o Porto tem mais encanto, vestido de preto e branco...».
Depois do Sucesso
Conquistado o país, seguiu-se a Europa com uma presença destacada na Champions League. Vitórias sobre o Nantes, Dynamo Kiev e Borussia Dortmund, empates com Liverpool e Bayern München, mostraram um Boavista de respeito ao «velho continente». A nível interno, o Boavista lutou com os leões até muito perto do fim e o Campeonato só voou para Alvalade após uma derrota surpresa em casa com o Varzim e uma derrota com um golo a cair do pano na Luz...
Perdido o segundo campeonato, o «Boavistão» europeu de Jaime Pacheco voltou a surpreender a Europa, numa caminhada fantástica na Taça UEFA, que só terminou a cinco minutos do fim do segundo jogo da meia-final com o Celtic, onde um golo do sueco Larson gelou o Bessa e anulou a vantagem do empate a uma bola, conseguido dias antes em Glasgow. O Boavista caía de pé, tão perto de ir jogar a tão ambicionada final «100% portuguesa» com o FC Porto em Sevilha.
Naquele momento ninguém desconfiava, mas o golo de Larson punha uma pedra sobre uma era dourada do futebol «axadrezado», e o Boavista entrava na sua era mais sombria, depois de ter vivido os sete anos mais profícuos da sua história...
«Apito dourado» e a crise
A história recente do clube faz lembrar a narrativa bíblica de José e do sonho do Faraó, em que ao período das vacas gordas, se sucedia o período das vacas magras, que comiam as gordas e mesmo assim não engordavam.
Depois do enorme sucesso, dentro e fora de portas, os boavisteiros começaram a sentir o custo dos grandes investimentos efetuados na equipa, para tornar o Boavista um adversário à altura de Porto, Benfica e Sporting...
O despoletar do caso «Apito Dourado», as escutas, e o castigo que se sucedeu, só vieram piorar a situação do clube, que entretanto via João Loureiro abandonar a presidência.
Anos depois, quando o Boavista foi forçado a descer de divisão, apesar de no campo se ter mantido, os adeptos acordaram para uma triste realidade, que ainda há poucos anos nem sequer imaginavam nos seus piores pesadelos.
A consequente despromoção por incapacidade financeira à IIB, a desistência da Taça de Portugal, a constante ameaça da insolvência, tornou o dia-a-dia do adepto boavisteiro num fado desgastado, um rosário de penas por desfiar...
Após algumas investidas populistas mal sucedidas, Álvaro Braga Júnior chamou a si a responsabilidade e tomou conta da cadeira da presidência, iniciando um longo e fastidioso processo de recuperação que ainda hoje continua. Com o apoio dos adeptos, prolongou-se a luta com vista a fazer-se justiça ao clube, que se considerava injustamente despromovido, e que viu as suas pretensões reconhecidas em sede de direito.
história de um grande de portugal
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